Núcleo de Estudos sobre as Transformações no Mundo do Trabalho aprova manifestação contrária a Reforma do Ensino Médio

27/10/2016 11:14

CONVITE À REFLEXÃO SOBRE A REFORMA DO ENSINO MÉDIO

 

 

Nós do Núcleo de Estudos sobre as Transformações no Mundo do Trabalho (TMT/CED/UFSC), com base no conhecimento que temos produzido sobre Juventude e Ensino Médio por meio de nossas pesquisas, e considerando as mudanças em curso na educação brasileira e o nosso compromisso político e pedagógico com a educação pública, vimosnos manifestar contrariamente as alterações impostas ao Ensino Médio via Medida Provisória 746 de 22 de setembro de 2016. Essa Medida Provisória, instituída sem qualquer debate com o magistério, com os estudantes e com a sociedade brasileira, constitui-se em medida autoritária, de lógica privatista e contra os interesses dos setores mais marginalizados da sociedade. Esta Medida Provisória altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394) e se insere em um contexto de profundos retrocessos e ataques aos Direitos Sociais, dentre eles, a Educação.

A MP 746traz em seu bojo alguns elementos que são melhor compreendidos em consonância com o Projeto de Emenda Constitucional nº 241, conhecido por PEC do Teto, que congela os gastos públicos por 20 anos, aprovado em segunda instância na Câmara dos Deputados. Tanto a MP 746 quanto a PEC 241 utilizam-se do discurso da crise para legitimar ações que tomam de assalto conquistas históricas da classe trabalhadora. O congelamento dos gastos públicos por 20 anos é um dos elementos que, combinados com a MP 746, tem por fim enxugar gastos com a Educação, fragmentar a formação dos estudantes atrelando-a a demandas imediatas do mercado de trabalho, além de fragilizar a função docente (vide por exemplo contratação de “professores” com notório saber e via Organizações Sociais), reduzindo, portanto, as possibilidades de formação ampla e de efetivo entendimento do mundo.

A Medida Provisória ainda precisa ser cotejada com as Portarias Programa Novo Mais Educação (n° 1.144) e a Portaria Programa de Fomento à Implementação de Escolas em Tempo Integral (n°1.145), ambas publicadas em outubro de 2016. A Portaria do Programa Novo Mais Educação institui como centralidade as disciplinas de Português e Matemática, marginalizando a perspectiva de uma formação multidimensional do estudante, articulando-se com a Reforma do Ensino Médio que dá ênfase a estas mesmas disciplinas. A outra Portaria, a de Fomento à Implementação de Escolas em Tempo Integral difunde a meritocracia, a exaustiva preparação para testes e provas, confundindo qualidade da Educação com o desempenho de estudantes em provas restritas a poucas disciplinas, prevendo inclusive punições para os gestores das escolas e para os estados que não cumprirem o estipulado. O incentivo à ampliação da jornada escolar sem que se assegure investimentos de forma permanente, aumentará a evasão escolar e comprometerá o acesso de quase 2 milhões de jovens de 15 a 17 anos que estão fora da escola ou que trabalham e estudam. Além disso, o ensino noturno não é mencionado na Medida, o que indica que ele venha a ser extinto, ou ofertado de forma semi-presencial ou à distância.

A MP 746 rompe com a ideia do Ensino Médio como parte da Educação Básica, uma vez que fragmenta o Ensino Médio em cinco itinerários formativos específicos (linguagens, matemática, ciências naturais, ciências humanas e formação técnico-profissional), retira a obrigatoriedade das disciplinas de Artes e Educação Física e estabelece o inglês como única língua estrangeira, enfraquecendo a formação básica, comum e integral. É falsa a ideia de que o estudante poderá escolher por um dos itinerários, uma vez que as áreas de formação ofertadas pelas escolas serão definidas pelas redes de ensino ou pelas Secretarias de Educação. Desta forma, o estudante tem restringida e não ampliada como se anuncia, as possibilidades de escolha da sua trajetória educacional e profissional.

O caminho real que será ofertado para grande parte dos jovens oriundos das camadas populares será um dentro os cinco itinerários previstos, a formação técnica e profissional, tendo por objetivo a formação direta para o mercado de trabalho, dificultando ou até mesmo impossibilitando o acesso ao Ensino Superior. Destaca-se que a MP retrocede décadas na política educacional brasileira ao limitar o acesso ao ensino superior à área de formação do Ensino Médio. Assim, esta Medida reforça a dualidade escolar tão abominada ao longo dos últimos 30 anos, à medida que mais uma vez teremos referendada uma trajetória escolar com um itinerário para as elites e uma trajetória escolar com outro itinerário para os filhos da classe trabalhadora, apesar do disfarce do aparente poder de escolha do estudante.

A MP 746, associada com as demais políticas educacionais em curso, reforça a meritocracia, responsabiliza e pune escolas, professores e estudantes pelo desempenho escolar, ocultando que este desempenho se vincula às condições de vida do estudante, às condições de trabalho nas escolas, à organização do trabalho pedagógico escolar e, portanto, às políticas educacionais e sociais. A avaliação e responsabilização de escolas, professores e estudantes têm por objetivo alargar os caminhos para privatização por dentro do sistema público, seja abrindo espaço para as parcerias das escolas com a iniciativa privada, seja pela gestão ou contratação via Organizações Sociais para citar apenas o que já se encontra assinalado na MP 746 e na Portaria 1.145. Este conjunto de normas legais configuram um projeto educacional em que os interesses privados prevalecem sobre o interesse público, e assim as escolas são submetidas à lógica empresarial  no que se refere à gestão, aos recursos financeiros e de infraestrutura e à contratação de professores, processo este que conformará ainda mais o perfil da formação dos estudantes às demandas do setor privado, portanto, à formação para o trabalho precário que hoje impera e que desestimula os jovens. Este caminho que ora se adota no Brasil já fora adotado nos Estados Unidos e Inglaterra onde a qualidade da educação não melhorou.

Estas medidas que ora são impostas condicionam um efeito cascata de enormes problemas educacionais, fato evidenciado nas inúmeras alterações propostas na última LDB, na Lei que regulamenta o FUNDEB e nas mais de 500 emendas de deputados e senadores que ainda serão analisadas na comissão mista e depois pelos Plenários da Câmara e do Senado. É notório que não se trata apenas da incorporação de uma nova legislação que altera regras curriculares e de funcionamento das escolas, mas que converte grande parte das discussões acumuladas sobre os processos formativos dos jovens a uma compreensão economicista e produtivista do complexo mundo do trabalho e suas contradições. Se essas medidas efetivamente tivessem a pretensão de melhorar a qualidade de ensino e tornar o ensino médio mais atrativo aos jovens, a política educacional deveria melhorar os salários e as condições de trabalho aos professores, investir e ampliar a infraestrutura das escolas, ouvir professores e estudantes na definição das políticas, porém, sobre estes aspectos há uma completa omissão. Pensamos, portanto, que as políticas em curso aprofundarão os problemas que dizem combater.

Esta carta não tem por objetivo esgotar o debate que se torna essencial para todos os envolvidos com o campo educacional. Soma-se a várias outras manifestações que repudiam a MP 746 e a PEC 241, como as de diversas Universidades Públicas de todo o país, da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES- através de mais 1.000 escolas ocupadas), da Associação Nacional de Pesquisa em Educação – ANPED, da ABRAPEC, do Movimento em Defesa do Ensino Médio, além associações acadêmicas, associações sindicais, Professores contra o Escola Sem Partido e diversos Movimentos Sociais.

Colocamo-nos à disposição das Escolas para discutir o assunto, bem como, para socializar os materiais que dispomos referentes ao tema em questão.

 

 

Florianópolis, 26 de outubro de 2016.

 

 

Coletivo de Pesquisadores e Estudantes do

Núcleo de Estudos Sobre as Transformações no Mundo do Trabalho

CED/UFSC

Contatos: grupotmt2@gmail.com