Vedete da área ainda em fase de pesquisas
De um vasto menu de resultados experimentais surpreendentes e promessas teóricas instigantes, público e mídia parecem já ter escolhido a vedete da informação quântica: o computador quântico, que se tornou a mais popular faceta aplicada da área. Essa máquina, que já começa a sair do plano teórico, teria a capacidade de resolver em segundos ou poucos minutos problemas que dariam milhares ou milhões de anos de trabalho para o mais moderno computador deste início de século.
A primeira motivação – ainda que indireta – para o computador quântico surgiu ainda em 1965, quando Gordon Moore, fundador da Intel, uma das gigantes mundiais do ramo de informática, notou que, a cada 24 meses, os microprocessadores (chips com memória) dobravam tanto o número de transistores embutidos neles quanto a velocidade de processamento de informação. E, com isso, a representação física (número de átomos) de uma unidade (bit) de informação também diminuía significativamente. Essa observação tornou-se uma lei empírica, válida até hoje. Porém, esse não é o final da história.
Hoje, cada bit de informação dentro dos computadores é representado por alguns bilhões de átomos. Porém, com base na lei de Moore, cada bit de informação, por volta de 2020, estará resumido a um único átomo, o que irá impor um limite físico ao desenvolvimento dos computadores. E, nessa escala de comprimento, não há saída: esse é o domínio da física quântica, teoria que nasceu no primeiro quarto do século passado e lida com os fenômenos na dimensão molecular, atômica e subatômica. Se a lei de Moore cumprir seu fatídico desígnio – e tudo indica que irá –, será necessário um novo paradigma computacional. É aí que entra o computador quântico.
Em um computador dos dias de hoje – denominado clássico pelos físicos –, um bit de informação pode assumir dois valores: zero ou um. Mas, na versão quântica desse equipamento, um bit quântico pode representar, ao mesmo tempo, esses dois valores, graças a um fenômeno denominado superposição de estados. No mundo macroscópico, seria como se a face de uma moeda fosse, simultaneamente, cara e coroa, até que alguém decidisse observá-la ou efetuar uma medida sobre ela. Aí essa superposição se desfaria, e nossa moeda apresentaria ou cara, ou coroa.
O mundo quântico não parece estranho. Ele, certamente, é. A superposição é apenas um dos fenômenos que vão contra o senso comum. No nano universo, entidades podem se comportar ora como ondas, ora como corpúsculos. Podem até mesmo ocupar dois lugares diferentes ao mesmo tempo. Ou, de forma mais intrigante, manter um tipo de ‘comunicação telepática’. Nada disso tem um correspondente em nosso dia-a-dia. O físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) certa vez disse que aquele que não fica espantado diante da física quântica é porque não a entendeu. Outro grande físico do século passado, Richard Feynman (1918-1988) foi mais enfático. Para ele, quem afirmasse ter entendido a mecânica quântica estaria mentindo.
A lei de Moore implica que a tecnologia do silício está com seus dias contados. No entanto, o computador quântico só ganhou algum fôlego nas décadas seguintes, impulsionado por desenvolvimentos importantes. Em 1973, Charles Bennett, da empresa IBM, mostrou que seria possível fazer um computador no qual a informação que entra poderia ser recuperada a partir daquela que sai, algo que, em certos casos, é impossível para os computadores clássicos (arquitetura de Von Neumann). Nove anos depois, Paul Benioff, do Laboratório Nacional Argonne (Estados Unidos), mostrou que a física quântica era o cenário natural para a máquina imaginada por Bennett, pois essa reversibilidade é uma característica natural dos fenômenos quânticos.
Em 1985, David Deutsch idealizou o primeiro procedimento matemático (algoritmo) para a resolução de um problema num computador quântico. Com isso, o físico da Universidade de Oxford (Inglaterra) mostrou que, num computador quântico, o número de etapas para resolver um problema seria bem menor que aquele num computador clássico. Para entender o que Deutsch propôs, imagine um teste: se uma moeda tiver cara e coroa, será considerada verdadeira. Em qualquer outra situação, falsa. Para testar a moeda, um computador clássico precisaria de dois passos: checar um lado e depois o outro. Num computador quântico, os dois lados da moeda poderiam ser verificados simultaneamente, numa só etapa.
Mas foi em 1994 que se injetou uma dose maior de realidade nos computadores quânticos. Peter Shor, então pesquisador dos Laboratórios Bell (Estados Unidos), apresentou um algoritmo quântico para fatorar números muito grandes. O candidato natural para o teste era o RSA, um procedimento para criar códigos secretos com base na multiplicação de números primos. Esses códigos são tidos como invioláveis e, por isso, empregados hoje para proteger dados cujo conteúdo deve ser sigiloso.
Toda a crença na inviolabilidade da transmissão sigilosa de dados (senhas bancárias, números de cartão de crédito etc.) baseia-se no fato de um código gerado pelo RSA – que leva as iniciais de seus idealizadores, Ron Rivest, Adi Shamir e Len Adleman – ser praticamente inviolável, pois computadores modernos levariam muito tempo para chegar à informação que foi codificada. Porém, recentemente, computadores em rede, conectados pela internet, ‘quebraram’ um código RSA. Isso mostrou que era só uma questão de força bruta computacional. Mas, para um computador quântico rodando o algoritmo de Shor, isso seria uma tarefa para lá de trivial: o processamento levaria segundos ou, no pior cenário, alguns poucos minutos.
Num computador clássico, um bit é representado fisicamente por um componente eletrônico dentro do chip. Para um q-bit (do inglês, quantum bit), já há uma lista de candidatos: íons aprisionados em armadilhas magnéticas; átomos e fótons armazenados em cavidades supercondutoras de eletricidade; átomos ocupando ‘vales’ de uma rede cristalina óptica (‘superfície’ que lembra uma caixa de ovos formada por ondas eletromagnéticas estacionárias); pontos quânticos (conjunto de elétrons confinados a dimensões nanométricas). Porém, um dos candidatos mais promissores é uma propriedade dos núcleos atômicos conhecida como spin nuclear, que pode ser grosseiramente comparada com a rotação de um objeto macroscópico. A diferença com o mundo macroscópico é que um spin nuclear, graças ao fenômeno da superposição de estados, pode ‘girar’ ao mesmo tempo nos dois sentidos, horário e anti-horário, o que, como se sabe, é impossível para um pião, por exemplo. A manipulação da informação contida nos q-bits seria feita por ressonância magnética nuclear, a mesma técnica empregada em exames médicos e conhecida há cerca de 50 anos.
Em 2001, pesquisadores da IBM conseguiram fazer uma demonstração experimental do algoritmo de Shor ao realizar a fatoração do número 15 em fatores primos (15=3x5). O papel de computador quântico foi desempenhado por moléculas de C11H5F5O2Fe, cuja estrutura continha sete q-bits. Nada muito instigante do ponto de vista da capacidade computacional, mas um feito que reforçou a crença de que os computadores quânticos, em questão de anos, já serão realidade, com q-bits robustos e baseados num sistema físico que permita a geração, manipulação e leitura de estados quânticos estáveis.
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