Mais uma instância da UFSC se posiciona contra a adoção do ensino a distância nos cursos presenciais de graduação

16/12/2021 22:19

NOTA DE POSICIONAMENTO DO COMITÊ GESTOR DO FÓRUM DAS LICENCIATURAS

O Fórum das Licenciaturas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) torna público seu

POSICIONAMENTO CONTRÁRIO à “Minuta de Resolução para regulamentar a oferta de carga horária na modalidade de Ensino a Distância (EaD) nos cursos presenciais de Graduação”.

Antes de mais nada, tal posicionamento se faz necessário tendo em vista a premência de amplo debate na UFSC sobre o ensino a distância nos cursos presenciais, permitindo a participação dos docentes, discentes e TAEs, bem como considerando as investigações e avaliações que precisam ser realizadas por toda a Universidade acerca deste período de ensino remoto em regime de excepcionalidade devido à Pandemia da COVID-19.

Justificamos nosso posicionamento com os seguintes argumentos:

  1. Vivenciamos um momento de recrudescimento da mercantilização na formação de professores no âmbito geral das instituições de ensino superior do Brasil. Nas universidades públicas, em específico, sobrevém uma explícita política de estrangulamento de recursos econômicos. Nesse cenário dificultoso, a expansão da modalidade de educação a distância assoma como estratégia de redução dos investimentos em ensino, pesquisa e extensão, quase sempre entendidos como “custos” pelos governos de corte neoliberal. Tal constatação exige muita cautela das universidades para não incorrer em escolhas que comprometam definitivamente a disponibilidade dos recursos imprescindíveis para viabilizar a formação com qualidade socialmente referenciada que sempre nos pautou – ainda mais em se tratando das licenciaturas que, sabemos, já contam com uma dotação de recursos muito parca.
  2. Um aspecto que consideramos muito relevante diz respeito à possibilidade de a cultura universitária ser alterada de forma negativa, com o comprometimento ou inviabilização de um conjunto de experiências valiosas jamais passíveis de serem delineadas no arcabouço de uma matriz curricular de disciplinas. A Universidade deveria primar pelo espaço coletivo de aprendizagem de forma presencial, para que as pessoas em formação estabeleçam relações humanizadoras, e não incentivar e possibilitar uma educação individualizada, ensimesmada, que está substituindo o direito à educação como um fato social amplo por uma genérica concepção de “direito à aprendizagem”.
  3. O processo formativo não pode ser reduzido ao acesso a uma espécie de conteúdo inerte adquirido nas telas. Seria um erro desconsiderar o quanto pode ser reduzido o que há de educativo nos espaços e tempos coletivos da universidade e nas experiências extracurriculares (bibliotecas, restaurante universitário, locais de convívio, corredores, eventos artísticos etc.), que passariam a ser cada vez menos rotineiros na vida discente. Cabe destacar que a aprendizagem presencial possibilita aos educandos o sentimento de pertencimento à cultura universitária e a proximidade com docentes e pesquisadores de renome nacional e internacional, que são suas referências. Isso é essencial para que aconteçam os legados intergeracionais.
  4. Percebemos na minuta uma situação de desfavorecimento de certos componentes curriculares, considerados passíveis de serem administrados remotamente, em detrimento de outros que permaneceriam presenciais: o texto menciona disciplinas compreendidas como “teóricas”, mas não deixa explícito a quais delas se refere e por que poderiam ocorrer à distância. Somado a isso temos o fato de que a normativa proposta não se estende aos cursos de Medicina (Art. 8º, §1º). Assim surge-nos o temor de que se reforce o desprestígio de determinados componentes curriculares e até mesmo de áreas de conhecimento inteiras, ao passo que não haveria mudança de status em outros casos. Mormente nos preocupa a possibilidade de se incorrer em um rebaixamento material e simbólico ainda maior do processo formativo dos futuros professores da educação básica que, amiúde, já são os mais expostos à EaD.
  5. O quadro docente da UFSC, em seu processo de recrutamento nos concursos, é majoritariamente selecionado levando-se em conta seus conhecimentos e saberes visando o desenvolvimento do trabalho presencial e não o ensino a distância.
  6. A minuta revela um caráter fragmentador, na medida em que delega aos Centros de Ensino, aos docentes e aos próprios discentes a responsabilidade de decidir parceladamente pela adesão ou não à EaD nos cursos presenciais.
  7. A minuta não trata da infraestrutura necessária ao Ensino Híbrido (condições objetivas e subjetivas de trabalho). De modo geral, as experiências vivenciadas no ensino remoto durante a pandemia foram dificultosas. Mas ficou ainda mais patente que os estudantes de baixa renda, das periferias, do campo, indígenas e quilombolas, além dos que vivem na moradia estudantil, tiveram dificuldades extras para acompanhar as aulas devido à baixa qualidade da internet e dificuldade para acessar equipamentos com os recursos apropriados (hardware). Como a UFSC pretende garantir a permanência com êxito desses estudantes nas disciplinas que acontecerem de modo remoto/híbrido?
  8. A minuta trata sobre a necessidade de “capacitação” do corpo docente da Universidade de forma vaga, indicando, nesse mesmo caráter, a validação de tal capacitação a partir de experiências anteriores em EaD. Compreendemos que isso pode levar a uma desvalorização das experiências qualificadas em cursos de Licenciatura em EaD (como os oferecidos por instituições públicas, que são objetos de contínuos processos de pesquisa e avaliação nas últimas décadas e incorporam os resultados dessas práticas), pois pode equalizálos valorativamente a experiências em EaD de caráter duvidoso.
  9. Por fim, afirmamos que não está claro para o Fórum das Licenciaturas qual é a necessidade de aprovar essa minuta com urgência. Entendemos que é preciso tempo para avaliarmos coletivamente o processo do ensino remoto vivenciado com a Pandemia da COVID-19. A educação híbrida traz consigo um novo padrão sociocultural que acaba dispensando professores e professoras, o que se coloca como contrário ao projeto político pedagógico de formação de professores que defendemos.

Assim, para não incorrermos em um grave “erro pedagógico”, que empobrecerá a formação de professores e professoras na UFSC, nos posicionamos contrariamente à implementação desta Minuta de Resolução. 

Também ratificamos os posicionamentos constantes nas notas prévias dos seguintes departamentos, centro e laboratório:

  • Departamento de Metodologia de Ensino – MEN
  • Departamento de Estudos Especializados em Educação – EED
  • Centro de Ciências da Educação – CED
  • Laboratório de Novas Tecnologias – LANTEC

Florianópolis, 16 de dezembro de 2021

Márcia de Souza Hobold

Presidente do Comitê Gestor do Fórum das Licenciaturas

Acesso ao documento original aqui.