“Olha, vou confessar que não estava muito ansiosa não. Mas ontem caiu a ficha e hoje estou mais emotiva”, contava Patrícia Aguilera um dia antes de sua formatura no curso de Arquivologia da UFSC, na última quinta-feira. Na cerimônia, a sensibilidade continuava à flor da pele: escolhida como oradora para fazer o discurso em nome da turma, em vários momentos deixou derramar lágrimas e falou com voz embargada, mesmo com o texto repleto de toques bem- humorados. Na voz dela, chamava ainda mais a atenção o trecho em que celebrava os formandos terem “seus nomes perpetuados na Universidade Federal de Santa Catarina”.
O nome que ela perpetua na UFSC tem uma história especial. Patrícia foi a primeira transexual que teve o direito a usar o nome social na Universidade e a primeira com nome social a se formar. No caso dela, que conseguiu também a mudança de registro civil, será esse também o nome que estará no diploma. Foi também a primeira a conseguir essa retificação de nome em Florianópolis. Para quem não faz essa mudança, aparece no diploma o nome civil, mas, durante seu período na Universidade, usa o nome social em todas as atividades, conforme resolução aprovada em 2012 e modificada no dia 13 de agosto pelo Conselho Universitário (CUn).
Ela já usa o nome social, como parte importante de sua identidade, há vários anos. Desde criança, percebia que tinha um jeito mais delicado que os dos outros meninos. Na oitava série, estudava no Instituto Estadual de Educação e reprovou em Educação Física. “Eu simplesmente não ia à aula; em vez disso, fazia teatro.” Quando o pai foi chamado ao colégio para ser comunicado da reprovação, disse que conversariam melhor em casa. “Chovia muito e até quis me molhar bastante, para ver se ele ficava com pena.” Não ficou. Ela conta que apanhou muito, com cabo de madeira na cabeça, até desmaiar. Acordou amarrada numa cadeira, sangrando pela boca, nariz e orelhas e permaneceu presa por três dias. “Lembro que a cadeira ficava perto da janela, e eu ficava vendo a chuva cair do lado de fora. Mas não lembro quem me desamarrou.”
Logo após ser solta, saiu de casa, ainda com as roupas do colégio. Conseguiu abrigo com o grupo de teatro e em seguida recorreu ao Conselho Tutelar. “Nessa época eu não conhecia nada do mundo gay, nunca tinha ficado com um menino, nada”, diz. Começou a usar o nome quando foi trabalhar em uma casa noturna dirigida ao público LGBT, mas era uma fase de transição. “Era uma coisa meio mutante ainda. De dia, usava roupas de menino, até que uma vez, na fila do mercado, ouvi uma criança perguntar para a mãe por que aquela moça, que era eu, estava vestida como homem. Aí resolvi me assumir de vez como Patrícia”, conta.
Em 2011, quando entrou na UFSC, já se identificava sempre como mulher, e a Universidade já havia aprovado o direito de uso do nome social, mas encontrou dificuldades na matrícula. “O funcionário simplesmente não entendia o que eu queria; eu quase desisti. Então ele me deu uma folha em branco e pediu que escrevesse ali qual era meu pedido”, lembra. Como não obteve resposta, acabou entrando só no semestre seguinte. “Participei de um monte de reuniões, conversei com reitor. Eu dizia ‘o que eu vou fazer na sala com nome de homem?’; explicava de novo, mas, no final, tudo o que pedi naquele dia foi aceito.”
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